Poesia sobre as paredes I

 
Enquanto a noite passava, os debates aqueciam
as almas fúteis dos bem vestidos. A política local
não ia bem, o dólar subia, o euro decolava, e aquele
romantismo em verbalizar desgraças combinava
com o vinho, com a fumaça dos charutos, com a solidão
 
Enquanto a noite passava, as pessoas de ideias
se alimentavam de seus pontos brilhantemente toscos,
um gênio na mesa se ria, um outro deixava-se rir
os debates aqueciam as bocas que nunca viveram
e aquele romantismo pelo que há de mais vulgar,
a paixão por qualquer verdade que nunca há
 
Enquanto a noite passava, ela se despia
na janela de um prédio qualquer, a taça
na mão, era o que mais lhe compreendia
enquanto a noite passava e não havia amor
enquanto a noite passava e os olhos faziam chover
enquanto a noite não resolvia nunca passar
enquanto o "enquanto" fingia ser uma passagem
 
Enquanto a noite passava
ela aprendia a desentender o mundo e rir
desses lapsos de compreensão enganadores
 
os virgens ainda estavam na mesa
daquele quartinho miserável
discutindo o amanhã de Brasília
e ela
bem, ela, se conhecia melhor.



A porta da desilusão, meu bem



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