3 tempos de leitura: Crime e Castigo, Fiódor Dostoiévski


I- 
Já não podia conter-se. Tinha guardado aquele prazer por tanto tempo. Pensou em como estivera feliz naquele ato, ainda que a humanidade lhe julgasse. Sabia que sentenciavam por ignorância das causas, e mais, julgavam por inveja, pois na medida em que não se satisfaziam, haveriam de ajuizar aqueles que gozassem de sombra e água fresca. Assim, aproveitava a sensação que lhe arrepiava o corpo e se deixava levar pelos sentidos, como um animal, como uma besta fera, como um deus. E não sentia qualquer arrependimento, tampouco mágoas.

II-
Mas, devo confessar, meus leitores, ainda que houvesse tamanha identificação com o personagem, me corria em pensamento que aquele estado de coisa só poderia terminar daquele modo. Crime e Castigo... E que castigo? E que crime? A literatura tem dessas de nos pregar uma peça. Tem dessas de nos permitir o fingimento. Tem dessas de nos referir o deleite, a maldita satisfação imprópria, negada pelo mundo. E que querem que eu diga? Que Rodion Românovitch Raskólnikov é culpado? Não defenderia uma vírgula dessa estúpida frase. Tampouco é inocente. Louco, menos ainda. Rodka, te defendo. Por compreensão, se queres que eu diga. Não pelo ato em si, mas pela dúvida. E por tantas certezas.

III-
Quem quiser, que julgue. Me abstenho de erguer o dedo e dizer "culpado, culpado!". A culpa, senhoras e senhores, é um elemento particular, não uma sentença qualquer. E olhando mundo afora, são muitos os que esperam sua vez de atirar a primeira pedra. Me abstenho.

*Esse texto faz parte e inaugura a nova série de publicações que farei sobre livros recentemente lidos. Serão sempre três tempos de escrita.
** Obra: Crime e Castigo, Fiódor Dostoiévski, garanto que não li em Russo (1866).
*** Se recomendo ou não: Sim, recomendadíssimo / e, tolere sua insanidade

 

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