Antologia poética


o tempo escreve
antologias inúteis
prateleiras de pó e ácaros
intocáveis baratas donas de bibliotecas

tenho onze
antologias poéticas
nas minhas prateleiras
e elas nunca me trouxeram
uma dose de pinga, uma xícara de café ou um pão

eu mesmo
me conformo
de nem mesmo ter
uma antologia poética
de jamais ter ânimo para compilar
ordenar, descartar, repor, meus escritos
para acabar ali, na sua prateleira, intangível, decorativo

me recuso
a deixar um antologia
para que vocês manuseiem como quiserem
procurando sílabas que confirmem vossas verdades
como um horóscopo, uma cartomante acessível, uma puta

antologias
são obras fadadas
ao sucesso do pós-morte
e é sempre melhor que assim seja,
em vida o escritor é puro sofrimento
alegria em demasia seca a garganta dos que bem escrevem
dos que bem sofrem para que outras almas possam lê-los
e assim possam saciar a angústia, como se a antologia fosse um confessionário
sem divindade, sem deuses, sem representantes, sem mártires.

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