Relato nu



no prédio da frente, uma sombra,
um contorno que lembra um rosto
não sei se humano ou se são meus olhos
que no concreto notam tons vívidos
(provavelmente não é isso, não)

o céu, é de tom único. Chama pouca atenção;
a Francisco Junqueira, avenida do caos, ferve
e são quase oito horas da noite. Ao longe, milhares
de pontos que vistos de cima, parecem dançar.
A dança de 1752, branco, amarelo, pequenos astros
que iluminam mas não fazem ver. Cada um com seu Sol,
nenhuma novidade nisso.

A senhora da torre da frente, continua ali
mirando sua novelinha, costurando o tempo,
tecendo solidão. Novela não, hoje é domingo,
deve estar lambendo as botas da Catedral,
com algum terço (de vida?).

Estou nu. Despido de razão, despido
de um projeto para o amanhã. Despido
da boa garrafa de cerveja a absolver o pensar.
Estou em nudez.


E não vejo motivos para vestir.

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