Rola-bosta - Crômica dialogada I


O cronista a dialogar com seu camarada, um velho decrépito. Em uma cafeteria qualquer.




- "...então, como estava falando para o Sr., tenho rido de tudo em meu dia. Do pé na bosta tenho dado gargalhada. Meu pé úmido aduba minha risada. As relações sociais que comumente geram uma nebulosidade no ar - deixando o interior da cor da capital paulistana - me agradam. Algo de sádico tem me afetado. Em verdade, algo sadomasoquista (há dor em qualquer risada)".

- "E o que de tão cômico lhe ocorreu?"

- "Pois nada. Nada tem ocorrido. Me sinto um rola-bosta. Aquele besouro. A troco de nada modifico a matéria: o que parece, aos outros, caótico, vejo ali grande valia, transformo o inferno em paraíso".

- "Conte-me: como faço para realizar o mesmo? A tempos procuro viver feliz. Conte-me!".

- "Quer mesmo saber? Deixe que tudo se foda. Deixe o circo pegar fogo (e leve mais gasolina). E, então, no ápice da loucura mundana, sorria. Enquanto a água quente escorre no rosto alheio, apenas sorria. Ria do erro crasso. Ria. Do acerto previsível. Ria do esforçado cotidiano que se engoma todo para trabalhar. Ria do playboy, da burguesia, dos que flertam com a morte. E só".

- "Nada mais?"

- "Depois sente em sua melhor poltrona. Pegue lápis e papel. Ou se ajuste próximo da máquina de datilografar. Na ausência desses, se debruce sobre seu velho computador. E escreva, escreva, escreva. Se preciso, deixe de dormir; mas escreva".

- "E que há nisso de felicidade?".

- " Felicidade? Não sei. Apenas gargalho e dou-me a rir - as vezes de maneira particular, sem que saibam. Escrever é somente outra forma de rir da desgraça cotidiana. Não me venha com esse papo de ser feliz".

 

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