Carta ao medo do amanhã (I)

 
 

 
 Comece pelo "e que se foda". Não há amanhã se no hoje há o medo. Medo de algo inexistente, medo do apelo ocidental que exige constantemente um planejamento, uma vida regrada, uma rotina mais fixa que o compromisso de repetição das ondas do mar. Que seja despropositada e nula de objetivos. E que se foda, então, o que passe pelo caminho do exato, do polido, do óbvio (que se finge surpresa). E que se foda qualquer coisa, pessoa, algo ou alguém, que exija de ti mais do que o hoje. E que este alguém não seja tu! Não. Exija o hoje. Exija tão somente o agora. O desdobramento dos segundos. Exija somente o tempo entre o piscar dos olhos. Exija somente o lapso de tempo que origina um sorriso.


E, pois bem, de uma sociedade que crucifica o desconhecido, peça distância e tolere com extrema paciência as críticas que virão constantemente por tua falta de um script de vida. Ah, que mania costumaz e cruel, dar e ordenar aos demais que se siga o roteiro pronto de uma vida sem sal! Se afaste do cálice ofertado. Compram teu silêncio com festas que simbolizam o que não passa de cerimonioso. Fuja! Fuja se caminho houver. Se não houver, fuja para o canto, para a margem. "Velejar em mares estrangeiros faz bem", me dizem. Se provoque com a incógnita. Se entregue ao mistério de um amanhã sem medo, pois há somente o hoje a romper a lógica de um novo amanhecer.

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