#CRÔNICA DA SEMANA (11): JOE, BERGER, LATAS E ROSAS

  


Algumas latas vazias jaziam no meio fio enquanto conversavam. As pedras que as mãos encontraram - do último recapeamento que a prefeitura havia realizado na rua - foram arremessadas para os dois lados da pacata e escura rua. A lua iluminava o diálogo. Joe quebrou o silêncio no momento em que Berger entornava a cerveja restante em uma das latas. 


- Ela, ao meu ver, é assim, como se diz, "de uma beleza única". Não posso dizer que se encaixa nos padrões nem que foge deles, ela estabelece o padrão. Sim, magnífica... também é de uma inteligência inalcançável, sabe da terra, sabe do mar, sabe das leis da natureza, da física, da sociologia. O que é que ela não sabe? (deu um gole na bebida já quente). Berger pensou em dizer algo, mas percebeu que seu amigo queria mesmo era falar, então se absteve. Procurou algo no chão para fixar o olhar. Arremessou algumas pedras para longe e esperou que Joe prosseguisse. - ... na cama? arrebentávamos, a gente atravessava universos ali. Ela também não se incomoda com meus outros prazeres. Apesar de chamar de vícios. Mas não dá palpite. Sabe que gosto de beber, de ficar longe de tudo por um tempo, de andar por aí, vadio. E então? (outro gole) Então eu prefiro terminar com tudo, é o melhor. Que não tenha mais nós, somente eu, somente ela. E que ela suma.

 

Berger, como que desinteressado e já sabendo do espírito do amigo, pergunta: mas se ela é tão em tudo, é por falta de te amar?

Joe levanta e se dirige para dentro de casa. Berger não se espanta. Dois minutos depois, Joe aparece com um fardo de cerveja e com a cabeça fresca para responder qualquer pergunta.

 

- Claro que não. Ela me idolatra. Amar é pouco para o que faz.

- Então não entendo.

- Claro que entende - diz Joe - você apenas não pode assumir que entende. Não por mim, por você... é outra vida, você é casado sei lá quantas décadas, tem seus filhos e, você sabe onde isso vai dar. Você entende.

 

Joe dá um sorriso forçado para Berger. Ambos começam a rir. Começam a gargalhar. Abrem a segunda lata do novo lote. É Joe que volta a falar.

 

- Você sabe o que quero dizer. Ela é bonita, inteligente, tem um corpão, a gente se dá bem, dividimos os afazeres, mais nova que eu, bem humorada, fode bem, não força a barra, diz que me ama e realmente demonstra isso, mas você sabe...

 - Joe, sem querer te ofender, mas já ofendendo, qual o seu problema? Cara, minha mulher me odeia, é toda enrugada, reclama de tudo, não fode, é burra pra encrenca e se incomoda com tudo o que falo ou faço. E do que não falo e não faço! E do que digo que não faço também!

 

Ambos riem e tomam a terceira lata.

 

- Sei lá Joe. Você está envelhecendo cara. Eu já estou acabado. Se não fosse a desgraçada da minha mulher, eu já tinha pegado uma arma e pintado a parede do meu quarto com meus miolos. Meus filhos só querem que eu morra para começarem uma batalha na justiça pela minha mísera herança. Se eu pudesse, cagava na cara deles. Mas sigo nessa vida de merda, só para provar para ela que não sou fraco. E também para postergar os desgraçados de receberem qualquer centavo meu. Qual o seu problema? Por qual motivo terminar com a mulher aí? Ela tem todos esses atributos e ainda te ama...

- Berger, você sabe. Quer tirar de mim as palavras? Temos somente mais seis latões. Quatro para mim, dois para você.

 

Aos poucos o frio chega e a madrugada devora os murmúrios das televisões ainda audíveis para os passantes do bairro. Um, dois, três latões. Joe e Berger riem e concordam silenciosamente. Joe termina seus quatro latões antes de Berger. Ambos cansados. Berger mora perto mas diz que já vai.

 

- Tenho que ir, Joe. A patroa já deve estar pé da vida que não cheguei em casa. Vai falar disso a semana toda, que eu estava traindo ela e tudo o mais. Quem me dera os delírios dela fossem verdades. Mas estou só aqui, com outro bebum (e dá um tapa nas costas do Joe).

 - E as palavras? - diz Joe

 

Berger olha o amigo, pensa em esmurra-lo, mas responde suave e pausadamente:

 

 - Joe, você é um cuzão. Vai dar um pé na bunda da mulher pois sabe que ela está apaixonada por você. Ela te ama. É o ápice. Depois disso, você bem sabe, só vem desgraça. Nada frutífero. Você não a ama. Você é incapaz de amar qualquer pessoa. Depois da conquista, não há nada que possa ser feito. A guria já tá na sua. Mas você é um louco pelo flerte. Você quer estar com alguém até que esse alguém esteja na sua. Depois disso, você não se interessa. O que mais posso te dizer? Agora você vai se sentir sozinho por algum tempo. Mas, você é o cara que, no jardim, tendo a rosa, prefere enfiar a mão toda no espinho, pois sabe que a rosa morre, os espinhos ficam, mas que amanhã, outra rosa surgirá e você estará lá, para cuidar e dar afeto, mas sabendo que é apenas uma rosa. E eu, quem sou? O cara que se engana pela sutileza da rosa. Faz um altar para cada pétala. Aduba, rega, fertiliza. Depois, amigo, a rosa morre. E eu não cuidei da roseira, só da rosa. Ignorei que havia espinhos e por isso me firo com cada espetada.

 

Ambos riem e Joe responde que a metáfora é uma merda. Mas, concorda. Joe responde para Berger, quase que em tom de autocrítica.


- Mas não pense que eu não goste da rosa. No fundo, apenas penso que devem ter mãos melhores para lidar com cada pétala. Boa noite Berger.

 

 

 Imagem de Josch13 por Pixabay
 

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