#CRÔNICA DA SEMANA (10): O ESTRANGEIRO



 Imagem de PhotoVision por Pixabay (não Odair, nada de UFO hoje)



Achei engraçado minha vizinha me perguntar se sou estrangeiro. Aliás, extremamente engraçado. Só estive fora do país por um breve período, e foi logo ali, na Argentina (Córdoba). Isso considerando somente as viagens terrestres, porque lunático do jeito que sou (nem sempre), seria uma lista longa e imemorável de viagens para outras dimensões que costumo fazer. Ela me perguntou com tranquilidade e paz no olhar, "você é do Brasil?". Antes de responder perguntei o motivo de ela me perguntar isso. Ela me respondeu que esses dias me escutou falando em outro idioma, o qual deduziu que era inglês e, em outro dia, me ouviu falando em outra língua, a qual deduziu que espanhol e, por fim, não entendia nada das músicas que eu escutava, que pareciam ser em alemão ou russo.

Fiquei de cara. Primeiro por realmente eu costumar ler em voz alta quando estou lendo em inglês, por dificuldade mesmo. Mas não tão alto assim. Casa geminada, mesmo que totalmente dividida, essas coisas acontecem, pensei (apartamento não-vertical de pobre, para os menos íntimos). Considerando ainda que eu não tinha conversado com ela desde que me mudei pra cá, a pergunta não era absolutamente estranha. O espanhol, é um assunto em separado, pois realmente costumo escrever em espanhol e assistir muito conteúdo latino-americano (ultimamente conteúdo latindo-em-americano também), além de estar aprendendo a tocar baixo e por vezes invento umas em espanhol. Possivelmente extrapolo o volume da caixa de som plugado ao notebook quando vejo séries ou filmes, então é possível que ela tenha escutado, ainda que apenas zumbidos.

Agora, música em alemão? Música em russo? Até escuto compositores russos, mas são de música clássica. Se ela conseguiu analisar a procedência do violino só de ouvir, então, me calo. Em alemão eu não escuto é nada, exceto algumas raras vezes que ouço Rammstein quando estou me exercitando. Mas geralmente coloco fone de ouvido, então não. Bah. Fiquei martelando o que seria durante quase uma semana. Alemão? Russo? Eis que descubro. As músicas eram em português. Ou quase. Tenho um CD do Boogarins, o nada famoso mas extraordinário, Lá vem a Morte, e o Dinho realmente canta tudo em um português que parece Russo. Considerando que o Toca CD (gente, eu sou velho?) fica na cozinha que fica perto da janela do quarto da guria em questão, então só podia ser Boogarins. Os outros CDs são todos nacionais também: Engenheiros do Hawaii, Raul Seixas, RP3 (sim, RP3, até eu assustei quando vi esse CD na coleção), Belchior, e por ai vai.

Bah, que loucura. Fui longe. Voltando ao diálogo. Ela me perguntou, perguntei o motivo, ela explicou, ao que respondi meio com lerdeza e totalmente nos meus pensamentos: "no, no soy señorita, sou brasileiro". Essa mulher não entendeu é nada! Não é e responde em espanhol? Nem eu entendi, pra ser sincero. Mas, quer saber? Ela deve ter achado que eu menti e que sou estrangeiro sim. O que me surpreende nisso tudo não é nada do que digo: tanto ela quanto o vizinho do outro lado, escutam (o bairro escuta, né?! Som alto da porra) sempre as mesmas seis ou sete músicas. É uma playlist do inferno. Não pelo estilo musical, pois também escuto funk. Mas pela repetição. E não entendo nada do que diz nas músicas. Uma delas diz o seguinte:

"E se eu falar o tanto de robô
Que eu comprei esse ano
Vão falar que tô mentindo
Vão falar que eu tô roubando
A Twin, a Tenéra, a V-Stron preta e amarela
De tanto cortar de giro, os pneu ficou careca

Então desentoca os robô
No meio da favela, saca dos retrovisor
Liga o pisca-alerta
É os menor que chavaiou, tira de giro e já era
Foi bica no tambor, é poucas idéia
Só vácuo na reta, só vácuo na reta
Nas favela(...)"


O cara rima amarela com careca. Robô com retrovisor (retrovisô). Estou pensando em perguntar se ela é estrangeira, pois não entendo que idioma que está sendo falado na música e acho que nem ela. E não sou tão bom de ouvido quanto ela é, como no caso do violino russo. Demorei quase uma semana, ou seja, quase trinta repetições da mesma música, para entender algumas frases e pesquisar no Google a letra. É de machucar a compreensão. Fodam-se os gramáticos. Mas, dessa vez, devo dizer, as produtoras musicais foram longe demais. O que significa "chavaiou"? Vácuo na reta? Saca dos retrovisor? Vai ver a música faz total sentido para quem tem moto ou carro. No meu caso, vou perguntar para os meus pés o que eles acharam. Ou para o motorista do ônibus, depois que a pandemia passar. Se passar. A pandemia. Se passar. O ônibus. E se o motorista sobreviver.



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