"Come abacate, filho, come abacate"


Minha avó, abuelita, grandma,
não escuta o que digo
não é surda mas desistiu de escutar,
entretanto, não deixa nunca de ouvir,
aprecia o zumbido na orelha
sem importar se narro horrores ou descrevo meus contentamentos,
assim cantarolo o mundo cruel, o ônibus demorado, a louça lavada,
e ela acena com a cabeça, concordando e
terminando o diálogo com a frase habitual:
"sim, filho, é, não é fácil, é difícil", e então, caminha,
com suas pernas maltratadas pelo tempo, remoendo algo como
"ai meu pai, ai meu deus" (dor).
Depois, se põe a falar e falar e falar e falar,
presto atenção em cada detalhe, em cada vírgula,
e respondo, sabendo que ela não está querendo diálogo,
nada que não seja ser escutada. Mesmo no banal.
Quando o assunto está por terminado (os assuntos), comento sem pretensões comunicativas,
ela termina, "sim, filho, é, não é fácil, é difícil".
Ela está certa.


Foto retirada da internet / Vovó Juju e o Irmão do Jorel (minha animação favorita que se não retrata minha vida, não sei sobre o que seria)



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