#Crônica da Semana 07: Diário de uma Divindade (Parte II)
Em verdade, em verdade vos digo: onde foi que parei mesmo? A festinha da minha filha (já falei dela para vocês?) foi de deixar o diabo com inveja. No momento em que acabou a cerveja, Yeshua (para vocês, famoso Jesus) quis fazer uma graça lá, mas transformou a água em vinho, de novo. O menino ainda não aprendeu como fazer a fermentação mágica dentro de um único milagre. Agora, a mais nova, como diz um terráqueo que tenho espiado, Pãããããta que o pariu!!! Já aprendeu a arranjar caipirinha estalando os dedos. Isso sem mencionar os seis tipos de cerveja. Aliás, já expliquei como que isso é possível? Não é do nada que fazemos isso. Vou narrar o episódio.
Tudo começou no Primeiro Concílio de Niceia. Promovi um debate caloroso sobre uma parte do meu best-seller que não consegui decidir sozinho e o Tinhoso não quis palpitar. Afinal, Yeshua era só o filho mortal do Criador ou era um semideus? No fim, optaram pela segunda opção pois dava uma pitada de politeísmo no enredo, o que daria margem para novas narrações. A terceira parte da trilogia que estamos desenvolvendo, talvez conte com participações especiais de outros personagens; quem sabe um Maomé, ou um crossover com o estúdio da religião Hindu. Então foi importante aquele Concílio. Mas o tema não é esse. Estava explicando como conseguimos fazer mudanças da água para o vinho e até mesmo copos retornáveis de cerveja. Nunca revelei isso para ninguém, então o mistério é válido.
Conhecem a
tradição de derramar um gole pro santo? Pois bem, não existe santo e foi eu,
Deus de todas as coisas (adoro essa expressão), que criei esse hábito. Estava
entediado da vida eterna e assistia, as vezes, o pessoal se reunindo para tomar
umas, então resolvi soprar algo no ouvido de Ósio de Córdova durante o Concílio
que comentei. O cara era um conciliador excepcional. Cochichei suavemente
“sugere aí pra galera encerrar esse assunto: chama geral pra encher a cara e te
garanto que nada te faltará”. Ouvindo a “voz da consciência”, foi o que ele
fez. Durante a bebedeira, Ósio e sua turma decidiu que Yeshua era divino e,
como forma de agradecimento ao meu ser, levantaram suas taças e disseram em som
único: “Deus provê, Deus proverá, que o gole da bebida chegue até lá”, e
derramaram um pouco do vinho para vossa majestade.
Dessa forma, a
agência do firmamento, através de evaporação celestial, coleta até hoje o que é
deixado para “o santo”. Ao passar das épocas, a tradição sofreu alterações e se
tornou o rito que é hoje. Assim ficou melhor. Isso de deixar um gole para minha
pessoa, diretamente, estava me dando muita dor de cabeça, porque o ser humano é
um bicho complicado: é deixar um gole, acha que vai ser abençoado até o fim dos
tempos. Nada disso. Deixa para o santo, se ele não te responder, deixa para
outro, se não responder, tenta uma beata, e assim, ficou cada vez mais fácil estalar
os dedos e entornar o caneco aqui no paraíso. Dei um jeito do Vaticano outorgar
mais de vinte mil santos e beatos. Yeshua não abandona o vinho, mas a menina,
como falei, é uma especialista nesse tipo de milagre: enche o copo, filhona!
Hoje tem outra festa aqui na heaven, então vou parar por aqui. Semana
que vem prometo que explico a terceira parte da trilogia. E promessa feita por
mim, sempre é honrada. A única questão é que o tempo de Deus não é o mesmo que
o tempo dos homens, então não me julguem se semana que vem significar mil anos.
Em tempo: nem sei
onde as almas dos santos e beatos foram parar. Recusei cada um deles aqui e
mandei direto para o inferno. Porém, o diabo não os aceitou lá não, então não
sei para onde foram. Povinho chato da porra! O terceiro santo que apareceu
aqui, com exceção dos discípulos de Yeshua, que na verdade eram atores, eu
tornei pó! Sim, pó! Veio reclamar do barulho das festas que organizo. Lancei a
braba nele! Assim, imploro, pequem! Com consciência.